Queimando livros
Por Fausto Luciano Panicacci*
Era para ser ficção. Mas a realidade nos mostra que a sanha de estabelecer “o que pode” e “o que não pode” ser lido é daqueles monstros que nunca está bem morto. Mal se superou o episódio da apreensão de livros na Bienal do Livro do Rio de Janeiro do ano passado, e nos deparamos, atônitos, com uma renovada prática, ainda mais intensa: no recente caso ocorrido em Rondônia, um “memorando-circular” da Secretaria de Educação determinava o recolhimento de dezenas de títulos, sob o argumento de trazerem “conteúdos inadequados para crianças e adolescentes”.
A primeira indagação que surge é: o que de tão impróprio haveria em clássicos como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, O Castelo, de Kafka, nos poemas de Ferreira Gullar, ou nos contos de Edgard Allan Poe – para mencionarmos apenas algumas das obras que constavam nesse moderno “índice de livros proibidos”?
Seria a excelência literária das obras – seja pelos aspectos estéticos, seja pelo conteúdo que faz pensar – o que torna aqueles livros “inadequados”? Para usar um trocadilho, parece mesmo uma situação kafkiana, que nem mesmo o defunto-autor machadiano poderia, do Além, compreender.