A tragédia da vida ecoa na arte: há 75 anos, uma guerra dividia almas e famílias
*Por Paulo Stucchi
Em meio à acalorada discussão sobre um mundo que pende perigosamente para os extremos, a comovente história do senhor Andor Stern veio à tona no fim do ano passado. Stern é o único brasileiro vivo sobrevivente do holocausto. Uma prova viva de que a guerra vai além de seus horrores inerentes – vidas perdidas, destruição, crises humanitárias –, e tem uma face ainda mais perversa: a morte não somente física, mas também psicológica daqueles que por ela são dragados.
Histórias de reencontros de descendentes de irmãos, pais, filhos, amantes... separados pelo campo de batalha ou pelos muros e grades dos Campos de Concentração e Trabalhos Forçados ainda gera grande comoção, mesmo depois de 75 anos da Segunda Grande Guerra. Casos reais, que renderiam roteiros emocionantes em livros de ficção, mas que, infelizmente, não saíram da mente criativa de um autor, mas da pulsão doentia que disseminou ódio, discriminação e morte.
Histórias como a do senhor Stern, que viu a família ser morta na câmara de gás, e dos irmãos Abram e Chaim, que se separaram em 1939, época da ocupação da Polônia, e morreram sem terem se reencontrado. Enquanto Chaim fugiu para a União Soviética, Abram foi levado para um Campo de Concentração, ao qual sobreviveu milagrosamente. Em seguida, emigrou para os EUA, onde morreu em 2011. Nunca mais soube do irmão, que faleceu de um tumor cerebral aos 51, na terra de Stálin.
A saga dos irmãos poloneses ganhou conhecimento mundial através de reportagem publicada nos meios de comunicação de Nova Jersey, quando a neta de Abram conseguiu contatar o filho de Chaims utilizando as redes sociais. Exatamente a mesma trajetória triste de injusta de outros Abrams e Chaims, e também de Josephs, Andrejs, Annas, e tantos outros. História também compartilhada pelos personagens de “A Filha do Reich” (Ed. Jangada, 2019), minha última obra literária, a qual desemboca no tempo presente e em uma série de reencontros – e desencontros – que têm como de partida o Brasil de hoje.
Para Aristóteles, a arte imitava a vida. Porém, nem o melhor e mais sensível artista do mundo, seja ele um escritor, poeta, pintor ou fotógrafo, conseguiria sintetizar em palavras, paletas de cores e movimentos, a infinita dimensão da dor de se dizer adeus pela última vez àqueles que amamos.
Após 75 anos de tragédias assim, continuamos a repetir os mesmos erros, gerando novos personagens imersos em vivências dramáticas na África, Ásia e em localidades carentes da América Latina. Os protagonistas desses episódios certamente já aprenderam o que podiam através da dor; resta-nos saber quando a outra parcela do planeta entenderá que a única forma de fugir de tamanho sofrimento e evitá-lo, eliminando o radicalismo e a intolerância.