Nesta época do ano, aumenta a procura por dietas milagrosas e outras medidas que colocam em risco a vida de pessoas em busca de resultados rápidos
A menos de dois meses do início do verão, começa agora a corrida contra o tempo perdido. Para muitas pessoas começou a contagem regressiva para chegar às férias de fim de ano com o peso ideal. Já se sabe, no entanto, que a perda de peso e um organismo saudável não são conquistados às pressas. Ao contrário, são fruto de hábitos saudáveis, uma rotina alimentar equilibrada e prática de atividade física regular.
Quanto mais tempo mantivermos essa rotina, melhores serão os resultados, explica o Dr. Daniel Lerario, médico endocrinologista, mestre e doutor pela Escola Paulista de Medicina.
“Nunca é tarde para começar e os resultados rapidamente aparecem. Mas não existem milagres”.
Atualmente, diversas estratégias incluindo, inclusive, medicamentos, auxiliam a perda de peso de maneira bastante segura e eficaz. No entanto, é preciso ter cautela e seguir a orientação médica, pois assim como qualquer medicamento, há contraindicações e efeitos colaterais que precisam ser observados para que, eventualmente, o tratamento seja alterado ou até mesmo interrompido.
Confira, a seguir, uma entrevista com o especialista e conheça um pouco mais sobre o assunto.
O emagrecimento atravessa diferentes fases e com elas os seus modismos. A ideia de emagrecer sem esforço, há décadas, ilude pessoas em busca de ideais de beleza muitas vezes inatingíveis. Por que é tão difícil perder peso?
Perder peso é de fato desafiador e os ideais de beleza atuais são incompatíveis para boa parte das pessoas. Um dos segredos de sucesso é montar uma estratégia racional, definindo metas realistas e viáveis, que permitirão um emagrecimento consistente e sustentável. Dietas da moda acabam tendo um efeito negativo, porque têm pouca ou nenhuma fundamentação científica e muitas vezes induzem a resultados efêmeros, o que provoca frustração.
O que leva as pessoas a seguirem acreditando em fórmulas milagrosas?
Isso faz parte da natureza do ser humano e é compreensível que as pessoas queiram soluções rápidas para suas questões de saúde e/ou estéticas. Por outro lado, é importante ponderar os riscos e buscar, sempre, os caminhos mais seguros e sérios para a perda de peso desejada.
Dietas líquidas ou restrições alimentares severas podem colocar em risco a saúde das pessoas?
Quando feita em níveis exagerados, podem causar fadiga, irritabilidade, mal-estar e desnutrição. O argumento mais importante para contraindicar este tipo de abordagem, no entanto, é que tais medidas raramente trazem perda de peso consistente e duradoura, o que gera sofrimento e frustração. É muito mais sensato seguir um plano dietético no qual a pessoa se sinta bem e que possa ser sustentável. Isso pode envolver tanto ajustes de hábitos de vida, quanto o uso de medicações, que ajudam no controle alimentar para aqueles que têm tal indicação.
E os jejuns prolongados, são benéficos ou também oferecem riscos?
Existem mais de mil tipos diferentes de dietas e a melhor é aquela que a pessoa consegue aderir, sentir-se bem e obter resultados duradouros. Há aqueles que têm boa adaptação e resultado satisfatório com o chamado jejum prolongado, modalidade de dieta em que a pessoa se alimenta durante 8 horas do dia e nas outras 16 horas toma apenas líquidos sem calorias. Mas esta não é uma modalidade de dieta que se aplica a todos que querem perder peso, não por gerar riscos, mas porque certas pessoas se sentem mal quando ficam muito tempo sem comer e não conseguem aderir.
Partindo para os medicamentos para emagrecer, quais as diferentes classes de medicamentos disponíveis hoje no mercado brasileiro?
Há quatro principais classes de medicações auxiliares para emagrecer:
- inibidores da absorção de gordura: reduzem a absorção de calorias, porque parte do que se come na forma de gordura passa a ser eliminado nas fezes. Podem, no entanto, provocar diarreia.
- medicações inibidoras de apetite: provocam um aumento de neurotransmissores cerebrais (serotonina, noradrenalina, dopamina e outros), que levam a uma redução da fome e/ou da vontade de consumir alimentos mais calóricos, como doces. Tais medicações podem também ter algum efeito benéfico sobre o metabolismo.
- medicações anticompulsão alimentar: utilizadas nas áreas de psiquiatria e neurologia, para a redução da ansiedade e compulsividade pela comida.
- medicações de ação periférica: substâncias descobertas a partir de estudos com pessoas submetidas à cirurgia bariátrica. Auxiliam a perda de peso, sobretudo porque lentificam a digestão, permitindo a saciedade com menos quantidade de comida.
Como os medicamentos para emagrecer agem no organismo?
Independentemente de agir no sistema nervoso central ou no sistema digestório, o principal mecanismo das medicações antiobesidade é a modulação da vontade de comer, ou seja, reduzem a fome ou aumentam a saciedade. Isso ajuda demais na aderência a um plano alimentar hipocalórico e costuma resultar em perda de peso mais consistente do que a observada apenas por intervenções comportamentais.
Quais as principais contraindicações destes medicamentos?
Medicações que agem no sistema nervoso central podem ter uso limitado para pessoas com questões psiquiátricas ou cardiovasculares e precisam ser avaliados caso a caso pelo médico.
Já aqueles que agem no sistema digestório, podem ser contraindicados para aqueles com problemas digestivos mais sérios.
Que consequências podem trazer se utilizados de forma inadequada?
Remédios para emagrecer sempre têm que ser usados com indicação e controle médico. A utilização inadequada de medicamentos antiobesidade pode trazer inúmeras consequências negativas, por isso deve ser evitada.
Muitos dos medicamentos prescritos hoje para a perda de peso foram desenvolvidos originalmente para o tratamento de outras questões, sobretudo o diabetes. Mesmo utilizados fora do objetivo descrito originalmente na bula, podemos dizer que é seguro prescrever estes medicamentos para a perda de peso mesmo por aqueles que não têm diabetes?
Sim, de fato alguns dos medicamentos que indicamos hoje para tratar o sobrepeso/obesidade, foram inicialmente desenvolvidos para outros propósitos. Os medicamentos da classe dos análogos de GLP-1 são um exemplo que inicialmente tinham indicação para tratar diabetes, mas os estudos validaram que também têm boa segurança e eficácia como auxiliares para emagrecer. Atualmente não vemos problemas relevantes em indicar estes medicamentos para pessoas sem diabetes.
Mesmo havendo a indicação, nem sempre o tratamento ocorre como esperado. Quais efeitos colaterais ou sinais devem ser relatados ao médico, pois podem indicar que será necessário interromper o uso do medicamento?
A sensibilidade e resposta medicamentosa é muito individual e tem inclusive componentes genéticos. Sempre devemos ter cautela no uso dos medicamentos porque apenas testando o remédio no paciente saberemos qual será a sua dose ideal. Alguns efeitos colaterais são esperados e toleráveis e se resolvem naturalmente com o tempo de uso da medicação. Apenas o médico poderá ponderar se o tratamento pode ser continuado ou deve ser interrompido. Por isso é importante que todo o tratamento seja realizado com o acompanhamento médico.
Que outras estratégias devem ser adotadas por pessoas que fazem uso destes medicamentos, para potencializar o sucesso do tratamento?
O medicamento não é o ator principal do tratamento para emagrecer, mas um adjuvante. Ajustes comportamentais, tanto dietéticos quanto de atividade física, são o ponto mais relevante para o sucesso do tratamento. Quem aprende novos hábitos e passa a conhecer melhor os fatores que propiciam o controle do peso corporal, terá melhor prognóstico para a manutenção do resultado obtido.
Ao longo do tratamento, por que deve acontecer um acompanhamento médico para avaliações periódicas?
Os estudos mostram resultados bem claros de que pessoas que têm controle médico durante o processo de perda de peso apresentam melhores resultados e menor taxa de recidivas.
Com que frequência devem ocorrer as consultas e quais aspectos serão avaliados?
A frequência das consultas depende de caso a caso, mas comumente é recomendável um controle ao menos mensal. Os encontros são importantes para rever as estratégias comportamentais e/ou medicamentosas, uma vez que a aderência ao tratamento pode se perder com o tempo. Por vezes, aconselhamentos muito simples geram um impacto motivacional significativo. Nas consultas, temos também a oportunidade de, através de dados clínicos e exames, avaliar os benefícios que a perda de peso vem trazendo ao paciente, como redução de hipertensão arterial, apneia do sono, gordura no fígado, entre outros.
Alguns estudos têm investigado a relação do uso de alguns destes medicamentos ao desenvolvimento de câncer de tireoide, depressão, mudanças de humor e até mesmo ideação suicida. Hipóteses como estas podem comprometer a confiabilidade nestes medicamentos?
De fato, os estudos vão trazendo novas informações sobre as medicações e precisamos ficar atentos a questões que podem ser relevantes para a segurança no uso das mesmas. Por exemplo, já houve relatos de que a semaglutida poderia estar associada a câncer de tireoide e ideação suicida, mas tais dados ou não foram comprovados em humanos, ou não foram considerados relevantes. Em tempos digitais e globalizados, por vezes há divulgações alarmistas na mídia ou redes sociais que devem ser analisadas por pessoas com formação técnica, por isso é fundamental que o uso dos medicamentos ocorra sob controle médico.
Uma vez atingido o peso ideal, a orientação será a de interromper o uso do medicamento?
Toda pessoa que emagrece pode recuperar peso, especialmente quando há uso de algum medicamento neste processo. Talvez este seja um dos maiores desafios para boa parte das pessoas que emagrecem de modo satisfatório. Para a manutenção do resultado, é fundamental que haja mudança comportamental. Uma vez atingido o peso ideal, levando em consideração o contexto de cada pessoa, podemos montar uma estratégia de retirada da medicação e a otimização de medidas de gerenciamento do peso a longo prazo. À semelhança de hipertensão arterial ou diabetes, a obesidade é atualmente considerada uma doença crônica, podendo-se assumir a continuidade dos medicamentos antiobesidade a longo prazo, a depender da segurança e eficácia dos mesmos para aquele paciente.
Nos casos em que não é mais necessário o uso do medicamento, como é interrompido o seu uso?
Não existe uma regra fixa para a suspensão dos medicamentos auxiliares para emagrecer, mas costuma ser mais sensato uma retirada gradual, sempre acompanhada de aconselhamentos comportamentais, que permitam uma manutenção do peso corporal a longo prazo.
No caso de perda de peso acentuada, há necessidade de realização de exames específicos ou outras orientações?
Sim, em casos de perda de peso muito acentuada, pode haver deficiências nutricionais que podem ser detectadas através de exames sanguíneos. Outro ponto importante é que níveis de glicemia, pressão arterial, colesterol e triglicérides costumam baixar após reduções de peso, o que pode requerer ajustes no uso de medicações para estas condições.
Como prevenir o reganho de peso?
Talvez este seja um dos maiores desafios para boa parte das pessoas que emagrecem de modo satisfatório. É habitual relaxar nos padrões dietéticos e/ou reduzir os exercícios físicos após tratamento de perda de peso e isso acaba levando aos poucos ao reganho de peso em pessoas com predisposição para engordar. O gerenciamento do peso é algo para ser mantido para sempre. As melhores formas de ter êxito na manutenção do peso a longo prazo são:
- manter o hábito de se pesar e monitorar os hábitos de vida
- ser proativo em relação a qualquer aumento de peso
- identificar os alimentos gatilho que desencadeiam descontroles alimentares
- manter atividade física regular
- buscar ajuda profissional de modo precoce
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