VENTOS
Pedro Lichtnow
Eu escuto o sussurro sombrio
O balanço ardil de pássaros da noite
Em meio aos galhos da chuva
Às ruas escuras e desertas
Ventos que uivam e assoviam em silêncio
Correm pelos vãos das janelas
Vidros tremem enquanto dormem acordados
Sonhamos deitados no peito sagrado da morte
Disfarçados de coragem
Vestidos, pálidos e perdidos
Quando a vida não passa de um covil
Com cobras, traças e praças doentes
Ruas e entranhas viris
Dentes hostis
Cordas e correntes do destino
Estamos enfermos de saber inútil
De verdades corrompidas
Em meio aos vales ocultos dos olhos
Nos seios secos de mundos vadios
Ventos que ardem
Cortam e curam
Transam a vida
Recortam o espírito
Assustam o pântano covarde
Dos homens com sorte
Envoltos por panos
Em laços de prantos
Quantos ventos passam pela vida
Correm calados em pensamentos
Assombram as emoções
Congelam a alma
Somos corações alados
Gentis, nobres, pobres em cobre
Em vestes de ouro e diamante
Trajados de balas de cetim
Nos campos das cidades
Em desertos hostis
Ventos velam a tristeza sem arte
O estranho tempo esparso
Salgado, fóbico e insensato
Por momentos abstratos
Na cabeça, no rosto e no retrato
Somos ventos sem rumo
Solitários em templos apagados
Passageiros escassos
Ventos sem movimento
Frios e insensíveis
Cruzam as calçadas
Abraçam a dor do silêncio
Afogam as mágoas, recalques e gozos repressivos
Há ventos em mim, em muitos, em tantos
Por santos, demônios, enfadonhos tempos
Verdades, mentiras, emboscadas da vida
Ventos que levam e trazem
Comungam, espantam e matam
Abençoam e difamam
Espantam e reprimem
Revelam ou protegem
Quando somos livres e aprisionados
Nas ruas das cidades
À beira de parques, lagos e largos de ordens
Os ventos, sim, falam em cifras
Prendem os caminhos
Liberam as estradas
Congelam a mente
Expandem essências
Ventos que cruzam Araucárias
Sob janelas elevadas
Perfilam em sinais
No alto dos prédios
Por semáforos e faixas
Por escadas em declive
Nos elevadores do poder
Nas salas fechadas
Por olhares suspeitos e bocas caladas
Ventos libertam almas
Quando sopram por sacadas
Em casas, vales e desejos sinceros
De cada belo sentimento aberto
Aos seios de cores rebeldes
Ventos são pássaros livres
Que voam serenos
Derradeiros
Nos céus azuis
Por nuvens de concreto
Em dias invisíveis
Pedro Lichtnow é jornalista, escritor e palestrante existencialista
Nenhum comentário:
Postar um comentário