sexta-feira, 14 de julho de 2023

Poemas Urbanos

 


VENTOS

Pedro Lichtnow 
Imagem arquivo JHC



Eu escuto o sussurro sombrio
O balanço ardil de pássaros da noite
Em meio aos galhos da chuva
Às ruas escuras e desertas

Ventos que uivam e assoviam em silêncio
Correm pelos vãos das janelas
Invadem a sala das almas e os medos vazios

Vidros tremem enquanto dormem acordados
Sonhamos deitados no peito sagrado da morte
Disfarçados de coragem
Vestidos, pálidos e perdidos

Quando a vida não passa de um covil
Com cobras, traças e praças doentes
Ruas e entranhas viris
Dentes hostis
Cordas e correntes do destino

Estamos enfermos de saber inútil
De verdades corrompidas
Em meio aos vales ocultos dos olhos
Nos seios secos de mundos vadios

Ventos que ardem
Cortam e curam
Transam a vida
Recortam o espírito
Assustam o pântano covarde 
Dos homens com sorte
Envoltos por panos
Em laços de prantos

Quantos ventos passam pela vida
Correm calados em pensamentos
Assombram as emoções
Congelam a alma

Somos corações alados
Gentis, nobres, pobres em cobre
Em vestes de ouro e diamante
Trajados de balas de cetim
Nos campos das cidades
Em desertos hostis

Ventos velam a tristeza sem arte
O estranho tempo esparso
Salgado, fóbico e insensato
Por momentos abstratos
Na cabeça, no rosto e no retrato

Somos ventos sem rumo
Solitários em templos apagados
Passageiros escassos

Ventos sem movimento
Frios e insensíveis
Cruzam as calçadas
Abraçam a dor do silêncio
Afogam as mágoas, recalques e gozos repressivos 

Há ventos em mim, em muitos, em tantos
Por santos, demônios, enfadonhos tempos 
Verdades, mentiras, emboscadas da vida

Ventos que levam e trazem
Comungam, espantam e matam
Abençoam e difamam
Espantam e reprimem
Revelam ou protegem

Quando somos livres e aprisionados
Nas ruas das cidades
À beira de parques, lagos e largos de ordens

Os ventos, sim, falam em cifras
Prendem os caminhos
Liberam as estradas
Congelam a mente
Expandem essências

Ventos que cruzam Araucárias
Sob janelas elevadas
Perfilam em sinais
No alto dos prédios
Por semáforos e faixas
Por escadas em declive

Nos elevadores do poder
Nas salas fechadas
Por olhares suspeitos e bocas caladas

Ventos libertam almas
Quando sopram por sacadas

Em casas, vales e desejos sinceros
De cada belo sentimento aberto
Aos seios de cores rebeldes

Ventos são pássaros livres 
Que voam serenos
Derradeiros 
Nos céus azuis
Por nuvens de concreto 
Em dias invisíveis 


Pedro Lichtnow é jornalista, escritor e palestrante existencialista

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