O dia 26 de junho de 2010 mudou a vida de Picasso Rodrigues para sempre. Ele tinha 38 anos quando ficou gravemente ferido durante um assalto em Maringá, interior do Paraná. Foram vários dias no hospital e diversas cirurgias, até descobrir que carregaria no rosto marcas que tornavam difícil até se olhar no espelho. "Era como se eu tivesse perdido minha identidade e passado a ser um estranho para mim mesmo", confidencia. E se a luta para realizar sonhos sempre foi grande, após as sequelas da agressão tudo ficou ainda mais complicado.
Foi preciso ressignificar a vida e resgatar o desejo de infância de ser médico para encontrar forças. E com 45 anos, Picasso começou a cursar Medicina em Curitiba (PR). Foi ali, no estágio curricular em otorrinolaringologia no Hospital Universitário Cajuru, que conheceu médicos e residentes que deram esperança de mudanças para ele. "Foram esses profissionais que trouxeram um novo propósito para a minha vida: ser médico para devolver todo o bem que já recebi", conta ele, que está no último período do curso na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Profissionais da esperança
Mais de 10 anos se passaram desde a agressão até a cirurgia que daria um novo rosto a Picasso. Tudo começou com alguns exames, em 2021, quando os médicos constataram que havia uma infecção nas placas e nos parafusos que sustentavam seu nariz. "Soube então que uma nova cirurgia seria capaz de reconstruir minha face e que essa cirurgia poderia ser feita no Hospital Universitário Cajuru, que é laboratório de ensino da PUCPR", relata. Em janeiro de 2022, o paciente passou por mais uma cirurgia que, depois de nove horas, trouxe a oportunidade de recomeçar.
"A extensão do trauma facial havia causado uma divisão do esqueleto em diversos pedaços, levando a perdas na função e no desenho do rosto", explica Gabriel Zorron Cavalcanti, médico responsável pela cirurgia em Picasso. Segundo o otorrinolaringologista, que atua no hospital com atendimento 100% via Sistema Único de Saúde (SUS), uma grande incisão precisou ser feita para acessar os ossos da face, realizar a junção das estruturas e moldar o nariz. "Na nova cirurgia, além da remoção das placas, foi necessária a reconstrução do nariz e do terço médio do rosto de Picasso com um material altamente compatível: a porção cartilaginosa de algumas costelas do próprio paciente", explica o médico e, também, professor de Picasso,
Muitas vezes, na otorrinolaringologia, problemas funcionais e estéticos caminham juntos. "Ao falar em estética facial, pensa-se logo em cirurgias plásticas. Contudo, técnicas cirúrgicas também podem restaurar a autoestima e proporcionar bem-estar", salienta o coordenador da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Cajuru, Marco Cesar Jorge dos Santos.
A capacitação das equipes médicas e a estrutura hospitalar tornam realidade cirurgias complexas como a de Picasso. Desde abril de 2020, a parceria do Hospital Universitário Cajuru com o Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia tem permitido avançar em procedimentos de alta complexidade nessa especialidade. "É um trabalho em conjunto, em que o maior objetivo é prestar um serviço de qualidade para a sociedade", reforça Marco Cesar.
Novo rosto, nova vida
O que você vê quando se olha no espelho? O rosto é o passaporte para o mundo, é aquilo que somos e, também, como os outros nos veem. Antes, Picasso só via as deformações que impediam que ele se reconhecesse. Hoje, com 51 anos, ele vê no espelho uma pessoa cheia de sonhos e capaz de tudo. "Aprendi com a dor a colocar os pés no chão, e que nada é impossível. Não pude voltar a ser quem eu era, mas aprendi a fazer de quem eu sou, a melhor pessoa possível", se emociona o estudante de Medicina.
A carreira médica é cheia de desafios e responsabilidades. Mas em meio aos obstáculos, a sensação de dever cumprido é combustível para continuar a caminhada. "Todos nós já passamos por problemas de saúde, e sabemos da importância de profissionais engajados na melhora do paciente. No final, servir e contribuir com a sociedade é o maior propósito da nossa profissão", afirma o médico Marco Cesar.
E o bem se mostra contagiante. "Conseguiram me devolver algo que tinha perdido há muito tempo: a minha autoestima. Agora, quando coloco meu jaleco é como se houvesse uma transformação. Quero mostrar para as pessoas que tudo é possível e que para todo problema existe uma solução", finaliza Picasso.
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Equipe Blog Leite Quentee news