Artigo elaborado pela advogada Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin e pela acadêmica de Direito Eloise Bertol traça considerações e comentários sobre o Projeto de Lei nº 10.887/2018
Muito se tem criticado a urgência conferida ao Projeto de Lei nº 10.887/2018, que altera a Lei de Improbidade Administrativa. Afinal, a rigor, a Lei estaria caminhando bem até o momento, ainda mais no cenário de tentativa de combate à corrupção que se tem enfrentado nos últimos anos, não sendo bem vista a urgência desenfreada com que se pauta a sua mudança, deslegitimando a próprio desígnio do projeto.
De fato, a já noticiada aprovação do Projeto de Lei pela Câmara dos Deputados causa estranheza, e não é por menos, afinal, a votação às pressas de uma Lei de tal magnitude pode resultar em alterações legislativas próximas, retrabalho, (re)discussão, pois possivelmente não houve o diálogo necessário. Sem contar com a evidência de que há muitos interesses em jogo, como uma maior permissibilidade da prática do nepotismo, por exemplo.
Aos críticos do Projeto de Lei, portanto, questiona-se não só a pressa na tramitação do Projeto, mas o alto nível de efetividade que a Lei nº 8.429/92 apresentou, representando um verdadeiro retrocesso aprovar, agora, um projeto para algo que, aos olhos de quem a defende, anda bem.
O principal ponto, alvo de duras críticas, é quanto à necessidade da comprovação do elemento doloso, não sendo mais permitida a presença da culpa para o ajuizamento das ações de improbidade. Ou seja, será preciso comprovar a conduta dolosa do agente para a configuração da prática do ato de improbidade – mais difícil de se comprovar na prática –, de modo a, supostamente, enfraquecer o combate à corrupção.
Outro ponto que, com igual rigor, tem sido combatido, diz respeito ao prazo prescricional para a propositura da ação, que passaria a ser de 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato, porque as ações de improbidade seriam ações demoradas e complexas. Até então, não há prazo para o exercício de ação, nem mesmo prazo para término da fase do inquérito civil.
Além disso, com relação à indisponibilidade de bens, o Projeto de Lei apresentou uma maior dificuldade no bloqueio dos bens dos acusados, a qual, até então, era feita ao bel prazer do autor da ação de improbidade.
Porém, o Projeto que revê a Lei de Improbidade Administrativa, em si, não é de todo mal. Muito ao contrário, a urgência com que o Projeto tem sido tratado é o que chama a atenção, mas o Projeto, em si, é bem visto, na medida em que a Lei nº 8.429/92 é muito ampla, gerando enorme insegurança jurídica.
Os abusos perpetrados principalmente pelo Ministério Público, tolhendo por vezes direitos de gestores (ou terceiros, que em nada contribuíram com a prática do ato reputado como doloso ou culposo), que passam a vida respondendo por processos infindáveis, precisava de prazo para acabar.
Não era mais possível compaginar com uma Lei arcaica, que permite o ajuizamento de ações de improbidade anos depois de agentes públicos terem deixado seus cargos. Ou ainda, que permite que empresas as quais sequer foram vencedoras de licitações, discutidas nas ações de improbidade, passem a responder por algo do qual sequer tenham na memória, simplesmente porque participaram de uma licitação, sem um único indício sequer de conluio ou situação semelhante, cuja acusação é motivada apenas em suposições.
Pior ainda é a situação de esses acusados permanecerem anos com seus bens indisponibilizados (casos que chegam a mais de 20 anos – e não são poucos), sofrendo ainda medidas nefastas de ampliação de indisponibilidade de bens ao longo desse tempo, sem um desfecho definitivo.
Nem mesmo é possível continuar a permitir que inquéritos civis incompletos, por vezes com duração de longos anos, resulte numa ação de improbidade, simplesmente porque alguma medida “deve” ser tomada, como se a acusação e a punibilidade sempre fosse uma resposta esperada, ou um mecanismo de vingança.
Ou seja, não são poucas as vezes que nos deparamos com situações pra lá de exageradas envolvendo ações de improbidade administrativa, de modo que a previsão de um prazo prescricional para aplicação das sanções, assim como prazo certo para a instauração e o término do inquérito civil, tal como prevê o Projeto de Lei, é impositiva.
A retirada da possibilidade de responsabilização por ato culposo do agente público veio em boa hora, assim como a definição de um prazo prescricional, para a promoção de uma maior segurança jurídica, reduzindo um alto índice de ações de improbidade administrativa propostas por motivos irrelevantes, que não geram benefício algum à sociedade.
Outra mudança significativa e vista com bons olhos é o óbice do trâmite da ação de improbidade caso o acusado tenha sido absolvido na esfera criminal, confirmada por decisão colegiada, em que se tenha discutido os mesmos fatos.
Da mesma forma que a restrição de decretação de indisponibilidade de bens, que passa a se dar de forma mais controlada (possibilitando o exercício da atividade empresarial, atentando à continuidade da prestação do serviço público, garantindo a proteção ao bem de família e ao valor que não coloque em xeque a subsistência do acusado), se mostra uma alteração acertada.
Segundo o texto do Projeto, permite-se a indisponibilidade de bens desde que demonstrado no caso concreto o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, quando o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial, podendo o réu ser ouvido ou não. Ou seja, para a decretação da indisponibilidade de bens, acredita-se que deva ser exigida a prova de desfazimento dos bens dos réus ou de que eles estão tentando impedir a execução da sentença – situação que deveria ter sido recomendada desde a década de 90, quando da publicação da Lei de Improbidade.
Portanto, sim, pode causar certa desconfiança a tramitação com urgência do Projeto de Lei, de modo a atender interesses particulares de alguns, porém, não significa que representará uma maior permissibilidade de atos corruptos, mas sim, tornará os processos mais ágeis, permitindo uma maior segurança jurídica e protegendo garantias fundamentais dos agentes públicos (e outros envolvidos), há anos esquecidas.
Por Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, membro da Comissão de Gestão Pública da OAB Paraná e advogada do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados.
Por Eloise Bertolmn, acadêmica no escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados, graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná e pesquisadora do Centro de Estudos da Constituição (CCONS).
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