segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Artigo

 Pense globalmente, aja localmente

 

Ari Marques tem 40 anos de experiência na gestão de empresas. Hoje, atua junto à Henneberg, Pereira e Linard Advogados

 

Alguns que me leem podem pensar qual a relação desta frase com a gestão de uma empresa no que se refere aos riscos de relacionamentos com stakeholders e até mesmo os riscos jurídicos. Para estes peço que sigam a leitura.

A frase do título, no original Think globally, act locally, é como um mantra que fica em minha mente faz alguns anos. Antes, porém, de seguir adiante com a proposta deste artigo vamos falar de como fui impactado por ela.

Aqueles aqui que me leem, e têm RG baixo, deverão lembrar que pelo início dos anos 1980 a Nike lançou uma campanha que tinha esse mote: Pense globalmente, aja localmente.


Naquela época pensei “que criatividade tem esse pessoal de marketing”! Que frase bem sacada, pois abre caminho para aplicação em um sem número de atividades humanas.

Tempos depois, indo mais a fundo descobri que, por ignorância preguiçosa,por não ter pesquisado a origem, eu havia dado mérito errado ao criador. Em verdade a frase teria sido criada muito antes disso. Atribui-se a Patrick Geddes, biólogo escocês preocupado com planejamento urbano que a teria cunhando nos primeiros anos de 1900. Uma curiosidade: muitas empresas usam a expressão “glocal” para exprimir esse conceito. Interessante destacar que esta “glocal” teria sido cunhada por Akio Morita, cofundador e ex-presidente da Sony, além de autor do livro clássico Made in Japan, que no seu lançamento pousou sobre todas as mesas de executivos ao redor do mundo. Lançado em 1986, foi traduzido em 12 idiomas - inclusive em nosso português - e ainda hoje pode ser adquirido em livrarias.

Retornando ao ponto em que eu falava do impacto dessa frase na minha vida, é como um arquivo fixo em uma memória RAM (pessoal de TI, eu sei que não é o caso, mas me permitam a licença poética). A cada vez que acordo, ela está à espreita lá na RAM de meu cérebro esperando que algum acontecimento do dia a dia a faça recrudescer.

E, invariavelmente, esse retorno é provocado ao me deparar com alguma decisão de gestão empresarial que deixou de considerá-la e incorreu em erro.

Iniciemos pelo macro e caminhemos ao micro, ressalvando meus exageros nos exemplos.

Imaginemos uma empresa multinacional com sede em qualquer país - exceto Brasil para podermos ter a referência - e que tome uma decisão que deverá ser aplicada a todas as suas unidades espalhadas ao redor do mundo. Em tempos de pandemia pensemos, por exemplo, na implementação de uma ferramenta de comunicação em áudio e vídeo baseada em aparelhos de telefonia móvel que, dada a altíssima tecnologia, implicasse uma conexão 5G para ter viabilizado seu uso. Apenas para ficar em terras tupiniquins, não rodaria aqui. E não rodaria em muitos lugares do mundo. Todo o imenso budget aplicado para sua criação teria seu resultado restrito a um punhado de países pela decisão ensimesmada de quem apenas olhou aquém fronteiras.

Descendo até chegarmos ao micro, consideremos que uma empresa nacional com sede em qualquer cidade que não esteja situada no Estado de São Paulo - e tenha filiais espalhadas pelas capitais do país - implemente política de reembolso de quilometragem com a seguinte norma: é vetado o reembolso de quilometragem no perímetro compreendido pela macrorregião da capital do Estado. A lógica seria: “é tudo muito próximo, não faz sentido reembolsar”. A equipe alocada na capital paulista poderia deslocar-se da divisa com Jundiaí até divisa com Cubatão e não haveria reembolso. Neste caso, estariam rodando algo como 180 Km. Uso este exemplo por já tê-lo vivenciado, mas claro que se aplicaria a tantas outras capitais.

Chegando ao micro: empresa localizada na Zona Leste de qualquer cidade grande e com filiais espalhadas pela cidade e por outras cidades fecha contrato para logística, extensivo às filiais, com a hipotética operadora LOGSJÁ, que apresentou excelente preço. Passados três meses, essa empresa constata ter havido um acréscimo no custo do frete. E descobre-se que há apenas dois centros de distribuição da LOGSJÁ e assim há um custo no recolhimento das remessas nas filiais que não era esperado.

Um último exemplo, de cunho bem cotidiano:  CEO em empresa com sede em Taiwan retorna do almoço e por volta das 15h e seu assistente de datas lembra-o ser aniversário do CEO de empresa que a representa no Brasil. Então gentilmente resolve, efusivamente, cumprimentá-lo por ligação de vídeo pelo Whatsapp. Imaginemos o humor com que o CEO brasileiro receberá esta ligação às 2h da madrugada!

Em resumo: senhores gestores, de operações ou de pessoas, ampliem seus horizontes no momento de tomada de decisões que tenham efeitos para além de seus portões. Levem em consideração culturas locais e tentem equalizar a decisão. E focando no campo jurídico atentem para as várias legislações dos diversos municípios, estados e países sobre os quais sua nova política ou prática será aplicada. Riscos jurídicos e maus humores de stakeholders serão evitados.

“Pense globalmente, aja localmente”. Como eu, tornem este um seu mantra.

 

 

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