quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Artigo

 Você acredita nisso?

*Lucia Moyses

Todos temos sonhos. Os mais diversos sonhos. Sonhos próximos, sonhos distantes, sonhos possíveis ou quase impossíveis. Quanto maior o nosso sonho, maior a tentação de acreditar em fadas madrinhas e varinhas de condão.


Quase todas (senão todas) as mulheres sonham em ser bonitas. Querem ser bonitas, pois um atributo que caminha junto com a condição feminina é o da beleza.

No reino animal, em geral, os machos são mais belos, para seduzirem a fêmea, enquanto elas são mais discretas de forma que não chamem a atenção dos predadores. O leão, com sua bela juba; os pássaros com sua riqueza de plumagem, o cavalo, o touro, o pavão, o carneiro, todos esses mais bonitos e elegantes do que a fêmea. Mas entre os seres humanos, a beleza da mulher é cantada em versos e prosas, é esperada, é, muitas vezes, exigida. Mitos são criados em torno da formosura feminina, tragédias são narradas tendo como foco o encanto e perfeição de formas da diva.

Assim, não é de se estranhar que as mulheres gastem tanto tempo e dinheiro se embelezando e que sonhem com uma carreira de modelo ou atriz. Ainda que não sonhem com isso, qual mulher não ficaria extremamente lisonjeada em ser convidada para posar para revistas ou propagandas?

É exatamente isso o que está acontecendo hoje em dia com tantas mulheres de todas as idades. Ana recebeu uma mensagem em seu Instagram de uma agência de modelos. A produtora lhe disse que ela era muito bonita e perguntou se ela já tinha trabalhado de modelo alguma vez na vida. Ora, Ana já estava beirando os sessenta anos, mas estava muito bem e sabia que já existia um mercado para mulheres de sua idade. Sentiu-se exuberante e não pensou duas vezes em passar seu telefone para que pudessem marcar uma visita na agência em breve.

Quando chegou o dia marcado, Ana arrumou seus cabelos, fez as unhas, vestiu roupas compradas no dia anterior e dirigiu-se confiante ao estabelecimento. Recebeu diversos elogios e disseram-lhe que já havia um trabalho para ela nos próximos dias. A mulher ficou encantada. Poderia isso estar realmente acontecendo? Poderia se tornar modelo com a idade que estava para essa profissão? Tão extasiada estava que mal ouviu quando lhe disseram que teria que assinar um contrato com a agência e pagar a modesta quantia de mil e quinhentos reais. Ana se surpreendeu. Não sabia que teria que pagar alguma coisa. Pensou que, pelo contrário, receberia pelo seu trabalho. Sim, respondeu a produtora. Ela seria paga pelos trabalhos, mas antes teria que assinar esse contrato. O valor seria gasto com um portfólio feito especialmente para ela, um Book que poderia depois usar onde e como quisesse. A produtora não queria pressioná-la, mas se Ana não assinasse o contrato logo, perderia a chance desse trabalho que seria em apenas alguns dias. E logo apareceriam vários outros e ela receberia seu dinheiro de volta em apenas algumas sessões de fotos. Ana assinou o contrato e pagou. Voltou para sua casa se sentindo uma jovem adolescente.

Os dias se passaram e a futura modelo não recebeu mais notícias da agência. Ligou diversas vezes, foi até aquele endereço, recebeu mais inúmeras promessas, inúmeros elogios e inúmeras desculpas. Ana nunca mais viu suas economias e nunca tirou uma foto.

Sim, por incrível que pareça, esse é o mais novo golpe para roubarem o seu dinheiro.

Há tantos golpes hoje em dia e ninguém pode dizer que dessa água não beberá.

Em hospitais, pessoas cruéis aproveitam a fragilidade e a vulnerabilidade dos enfermos e seus acompanhantes para pedirem dinheiro para os remédios, alegando que dessa forma, eles conseguirão tudo pela metade do preço.

Em sites de relacionamento, homens fazem declarações de amor e pedidos de casamento tão convincentes que a noiva nem hesita em pagar uma fortuna para receber os bens do amado em sua casa. Bens que nunca chegarão, assim como o noivo.

Sem falar nos inúmeros golpes de celular, pedidos de resgate para sequestros inexistentes e outros, antigos e recentes.

Se não fosse o risco de perder a vida, seria muito melhor ser assaltado nas ruas. Levariam seu dinheiro, celular, cartão de crédito, tudo que pode ser reposto ainda que com sacrifício. Mas quem irá nos devolver os sonhos, a paixão, a inocência? Quantas pessoas não ajudam mais ninguém por medo de estarem sendo enganadas? Quantas pessoas vivem com mais medo do que deveriam porque tudo pode ser uma grande mentira?

Mas assim é a vida. Mesmos os mais espertos correm o risco de serem enganados por outros ainda mais espertos do que eles. Podemos escolher viver no medo, sempre desconfiados, negando amor, ajuda, deixando nossos sonhos morrerem com a nossa humanidade; ou podemos continuar sonhando, acreditando, aprendendo com nossas perdas, caindo e levantando.

Ana perdeu seu dinheiro, sentiu-se estúpida. Tal qual Ícaro, voou muito perto do sol e suas asas derreteram. Que importa?

Algumas vezes seremos enganados, mas algumas vezes veremos nossos sonhos se realizarem, milagres acontecerem, a sorte nos sorrires. Ninguém sabe. 

 

Lucia Moyses é psicóloga, neuropsicóloga e escritora (www.luciamoyses.com.br

Natural de São Paulo, Lucia teve sua primeira formação em análise de sistemas pela FATEC (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo), complementando os seus estudos com curso de pós-graduação na UNICAMP (Universidade de Campinas). Atuou nessa área por mais de 20 anos e foi convidada para ser coautora em uma obra da IBM, em sua sede nos Estados Unidos. Administrou cursos e palestras, inclusive para pessoas com necessidades especiais.

A partir desta experiência, a escritora se interessou pela área de humanas. Foi então que decidiu seguir a carreira de Psicóloga, concluindo o bacharelado na FMU (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas) e, logo depois, se especializando em Neuropsicologia e Reabilitação Cognitiva pelo (INESP) - Instituto Nacional de Ensino Superior e Pesquisa.

Em 2013, a autora lançou seu primeiro livro “Você Me Conhece?” e dois anos depois o livro “E Viveram Felizes Para Sempre”, ambos com um enfoque em relacionamentos humanos e psicologia.

Três anos após a especialização em Neuropsicologia, Lucia lançou os três primeiros livros: “Por Todo Infinito”, “Só por Cima do Meu Cadáver” e “Uma Dose Fatal”, da coleção DeZequilíbrios. Composta por dez livros independentes entre si, a coleção explora a mente humana e os relacionamentos pessoais. Cada volume conta um drama diferente, envolvendo um distúrbio psiquiátrico, tendo como elo o entrelaçamento da vida da personagem principal.

Em 2018, a psicóloga lançou mais três livros: “A Mulher do Vestido Azul”, “Não Me Toque” e “Um Copo de Veneno”, totalizando seis livros da coleção. Em 2020, Lucia, lança o livro "A Outra". 

Linkedin: linkedin.com/in/lucia-moyses-b8449849
Instagram: @Lucia.moyses 

 

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