terça-feira, 16 de abril de 2019

Guerra do Paraguai: no Epílogo eram apenas crianças.


“Acosta Ñu, 16 de agosto de 1869”. – Respondem as crianças em uníssono quando inquiridas pela professora. São meninas e meninos que aprenderam desde cedo a refletir sobre o passado, alunos do ensino fundamental paraguaio que sabem de cór o nome das escaramuças mais encarniçadas.

Dentre as datas oficiais celebradas no país está o 16 de agosto – Dia das Crianças –, quando 3500 meninos, recrutados para lutar na Guerra do Paraguai, morreram na batalha de Acosta Ñu. De dezembro de 1864 a março de 1870, os exércitos da Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Uruguai – combateram as forças paraguaias. Após atacar o Brasil e invadir a província do Mato Grosso, o mariscal Solano López enfrentou uma enorme sucessão de batalhas em seu próprio território. Embora inferior às forças da Tríplice Aliança, o exército paraguaio obteve muitas vitórias. Contudo, após 5 anos de conflitos ininterruptos, a guerra já estava perdida para o Paraguai.
A determinação insana do líder paraguaio transformou o Paraguai em ruínas e estima-se que 75% de sua população tenha perecido ao longo do conflito, nas frentes de batalha, no fogo cruzado ou devido à fome e pandemias que se espalhavam incontrolavelmente.
Derrota e humilhação se tornaram a herança do aguerrido López. Mas incumbia, ao ditador, que prometera “morrer lutando”, um último sacrifício aos sanguinários deuses da guerra.
Posteriormente à tomada de Assunção, em janeiro de 1869, Caxias retornou ao Brasil, como também o fizeram os contingentes uruguaios e argentinos. Assumia a liderança das tropas brasileiras, Gastão de Orléans, o Conde D’Eu, consorte da Princesa Isabel e um dos personagens mais contraditórios da Guerra do Paraguai. Entre muitos sucessos no front, o Conde D’Eu foi o responsável por escrever alguns dos mais vergonhosos capítulos da guerra.
Solano López já não dispunha de número suficiente de homens treinados para manter os combates, que se intensificavam em todas as linhas. Nesse período, idosos, mulheres e crianças estavam sendo recrutadas, porque a artilharia de coalizão já havia dizimado os contingentes formados por soldados adultos.
Na Batalha de Acosta Ñu, López colocou adolescentes e também crianças de seis a oito anos, disfarçadas com barbas postiças, atrás das trincheiras. De longe, os soldados brasileiros viam soldados paraguaios adultos e atacaram brutalmente. O combate durou 6 horas. Mães auxiliavam no enfrentamento levando paus e pedras às crianças. No clímax da luta, durante a tomada das trincheiras, assustadas, as crianças menores se agarravam às pernas dos soldados brasileiros e imploravam chorando para que não as matassem. Não houve piedade. Cerca de 3500 infantes foram chacinados por 20 mil soldados profissionais.
Finda a batalha, ao crepúsculo, as mães saíam das matas em derredor para resgatar os cadáveres de seus filhos e socorrer as crianças feridas. O Conde D’Eu ordenou, então, que fossem incendiadas todas as casas. A determinação era matar “até mesmo o feto no ventre da mãe”.



*M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta.  Antes de se dedicar exclusivamente a escrita, foi advogado com especialização em Direito Militar e mestrado em Direito Internacional, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais. Autor de Imperiais de Gran Abuelo, publicada pela Pandorga, e o criador da série O Bairro da Cripta, lançada anteriormente pela LP-Books, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa verdadeira transposição do gótico para a realidade brasileira. Seus livros não são apenas para os fãs do gênero horror. Seu penejar é para quem aprecia uma narrativa envolvente, centrada na experiência subjetiva dos personagens mediante as possibilidades que o contexto sobrenatural de suas estórias permite.

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