“Todos precisam ganhar a vida. Pelo menos até que a peste acabe. Um trabalho de mestre. Veja como os monstros engolem seus rostos e pescoços. O coitado arde em febre e seus músculos se contraem até estourar. Sim, é horrível. Na sua loucura de dor, a pessoa tenta se livrar do veneno arrancando a carne e as veias com as unhas, gritando o tempo todo. Aí então morre. ”
A descrição do cenário onde se desenrola a tessitura narrativa de O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, não poderia ser mais autêntica. Estima-se que a Grande Peste Negra – assim ficou conhecida a pandemia que assolou a Europa entre os anos de 1348 e 1352 – ceifou a vida de 32 milhões de pessoas. Diante desse contexto apocalíptico, recém regresso das cruzadas, Antonius Block (Max Von Sydow) começa a questionar a religião e racionalizar sobre a vida e a morte.
Nesse fiorde de absoluto medo e terror a Dona Morte se apresenta, não só como a certeza mais absoluta como também um personagem que interagia com os demais.
A exterioridade das indagações do cavaleiro diante da peste produziu uma das mais memoráveis cenas do cinema mundial. Block se encontra com a Morte e ela está pronta para leva-lo. Ele diz que sua alma está preparada, mas que sente medo. De maneira a fugir de sua sina, o cavaleiro propõe uma partida de xadrez. Caso ganhe, a morte o poupará, caso perca, será levado por ela.
De pronto a morte aceita o desafio.
Inspirado nessa ideia e sintonizado nesse ideal, o escritor paulista M. R. Terci utilizou a referência a esse icônico desafio para idealizar a capa do livro Imperiais de Gran Abuelo, publicado pela Editora Pandorga.
Muito embora seu romance não se passe na idade média, há entre essas obras um tópico em comum. Tanto o filme de Bergman como o livro de Terci retratam e questionam o alto grau de superstição de seus cenários. Em O Sétimo Selo, uma mulher, acusada de manter entendimento com o oculto, é procurada pelo cavalheiro para saber se o diabo tem as respostas para os questionamentos que a igreja não soube dirimir, numa clara referência à árvore do fruto proibido, do conhecimento e da ciência. Em Imperiais, finda a Guerra do Paraguai, no tabuleiro da guerra bacteriológica, o narrador refuta a superstição e os terrores desencadeados pela suposta bruxaria do inimigo, corroborando o fato de que a ciência, àquela altura, já havia revelado verdades extraordinárias acerca do mundo natural.
Após a 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, palco onde os Imperiais de Gran Abuelo sagraram-se sucesso de público e vendas, o livro ainda foi indicado ao Prêmio Cubo de Ouro, na categoria Melhor Literatura Geek 2018 e este ano estará concorrendo à quatro dos principais prêmios da literatura nacional, entre esses, o Prêmio Jabuti organizado pela Câmara Brasileira do Livro.
Mesmo diante da realidade de que o mercado editorial e livreiro do Brasil ainda respira por aparelhos após atravessar uma das maiores crises de sua história, pudemos nos certificar de que ainda existe um traço heroico e medievalesco no ato de lutar contra o inimigo invencível e as regras do combate ainda são as mesmas estampadas no velho código da cavalaria. Na sempre contemporânea peleja do xadrez, mesmo diante do inimigo invencível, saldo positivo para o escore de Imperiais de Gran Abuelo.
*M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. Antes de se dedicar exclusivamente a escrita, foi advogado com especialização em Direito Militar e mestrado em Direito Internacional, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais. Autor de Imperiais de Gran Abuelo, publicada pela Pandorga, e o criador da série O Bairro da Cripta, lançada anteriormente pela LP-Books, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa verdadeira transposição do gótico para a realidade brasileira. Seus livros não são apenas para os fãs do gênero horror. Seu penejar é para quem aprecia uma narrativa envolvente, centrada na experiência subjetiva dos personagens mediante as possibilidades que o contexto sobrenatural de suas estórias permite
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Equipe Blog Leite Quentee news