terça-feira, 23 de outubro de 2018

Artigo.

Reflexão sobre docência e humanidade.

A docência é uma das atividades originárias da humanidade. Todo conhecimento, desde tempos imemoriais, é resultante de um processo de aprendizagem no qual existe alguém que ensina e alguém que aprende, e ainda, há o processo de aprender juntos. 

Por conta dessa percepção quase arquetípica, talvez exista na docência uma aura de nobreza e prestígio, o que pode ser constatado em diferentes culturas pelo respeito e veneração que dirigem à figura de seus mestres.

Mas, considerando a realidade brasileira, o que aconteceu com a categoria dos professores que não tem recebido o devido reconhecimento?
Um dos fatores que ajuda a explicar isso é que, a massificação da educação no Brasil, que ocorreu em função do processo tardio de industrialização, não foi acompanhada de políticas efetivas de investimento e valorização da carreira docente.

Consta na Constituição Federal, assim como na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que o ingresso no magistério na educação pública precisa ser pela via do concurso. Essa é uma das formas de garantir os direitos e prerrogativas ao exercício da docência. No entanto, em flagrante desrespeito a essas leis, muitos estados brasileiros utilizam até 50% de professores temporários em suas redes de ensino. Uma conjuntura que tem contribuído para precarizar não só as condições de trabalho, mas também os próprios processos de aprendizagem, conforme indicam os dados das avaliações nacionais.

Em alguns estados existe ainda a figura do professor eventual. Esse professor, que às vezes desenvolve suas atividades em casa ou no portão da escola, fica aguardando para saber se algum colega faltou, e assim, passar a substituí-lo, mesmo que essa prática não faça parte de sua formação. Ocorre que muitas vezes um professor de Química precisará dar aulas de História, ou, um docente da área de Matemática terá a necessidade de ministrar aulas de Sociologia. E o absurdo prossegue, fazendo nascer o que já foi definido como "pedagogia do improviso".
Sem adentrar nas questões trabalhistas dessa excrescência, o sucateamento intencional da escola pública tem provocado o acúmulo de déficits. Os mais prejudicados estão sendo os alunos egressos das classes pobres e trabalhadoras. No limite, esses estudantes terão sua formação e seu futuro profissional comprometidos. Muitos só terão como alternativa um subemprego para conseguir uma subemenda. Nessa trajetória, com que tipo de vida poderão sonhar?  
Diante dessa conjuntura, o que podemos fazer? Além de continuar as lutas coletivas em defesa da educação e do magistério, o que podemos fazer de imediato? Pois os desafios das salas de aula são concretos e cotidianos.

Uma das possibilidades é romper com a lógica individualista que está arraigada no cotidiano da vida social e repercute dentro das instituições, inclusive da escola. Quem já não ouviu a emblemática expressão "cada um com seus problemas"? Parece um lema típico da cultura neoliberal que se tornou "a nova razão do mundo".
Precisamos com urgência resgatar a solidariedade entre as pessoas e criar novas formas de sociabilidade dentro das escolas. Professores e gestores precisam ir além da função institucional. Se os problemas que estamos enfrentando são de ordem pública e social, nossa reação não pode ser isolada e individual. Se o sofrimento que nos atinge é coletivo, precisamos agir e reagir de modo conjunto. O isolamento nos enfraquece e nos destrói. 
Se o pensamento já é o início da realidade, talvez um bom começo seja reformular essas expressões individualistas. Que tal começarmos assim: ‘todos temos problemas, eu vou tentar te ajudar’. Às vezes, simplesmente ouvir com atenção, oferecer o ombro, um abraço, um gesto de ternura e de solidariedade são atitudes que podem renovar o ânimo e autoconfiança de um colega, de um aluno que esteja precisando - e muitos estão precisando. Nem sempre o pedido de socorro é convencional. Por isso, fique atento!
A humanidade precisa ser restaurada em nosso cotidiano. Em tempos de ressurgimento da barbárie, a última fronteira de defesa institucional de nossos jovens e crianças, principalmente dos mais pobres, é a escola e os bons professores. 
Autor: Prof. Dr. Everson Araújo Nauroski é filósofo e coordenador do curso de Licenciatura em Sociologia do Centro Universitário Internacional Uninter

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