Período
28 DE JULHO A 25 DE AGOSTO 2018
SIM Galeria | São Paulo | |||
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Os trabalhos da série Neolítico Express, de Rodrigo Torres, estabelecem um diálogo curioso com a tradição:
consagram, através de uma profanação minuciosa, a ambiguidade entre a obra intrínseca e extrínseca que marca
nossa experiência com a arte contemporânea. No caso, a familiaridade com itens valiosos, num contexto decorativo
ou museológico, é discutida em um processo de ruptura com o esperado ponto de vista reverente, aquele certo de
encontrar ali algo de cujo núcleo emana uma verdade e beleza integral , para ser problematizado quanto a um
desenvolvimento particular da escultura no Brasil: o estremecimento das bases de uma autonomia, a partir da
conclamação da cumplicidade diante de um estágio intermediário em que nada deveria ser visto como autêntico
ou acabado de antemão.
Podemos pensar de início nos Bólides de Oiticica, no fato de que levam, desde o inicio da década de 1960, a uma
relação renovada do público com o objeto, de outra forma, do participador com uma obra, que é simultaneamente
um dispositivo sensorial e conceitual a ser acionado em um segundo estágio de aproximação. Ele participa no
sentido de adensar a experiência ótica com uma camada de injunções às vezes precárias que culminam em
significativas reconsiderações. E, principalmente, imagina que não há um único vetor construtivo que faz o artista
produzir um objeto em uma totalidade que se mostra irredutível, mas um processo com idas e vindas que equaliza
a posição de todos em um patamar. Nele o criador se constitui por um espelhamento instantâneo em uma criatura
que reivindica seu lugar também como sujeito incompleto.
Mais recentemente, os Phanógrafos de projeção e deposição (2010), de Tunga, também se estruturaram a partir
de um recipiente, vasos de cristal Baccarat, contidos por caixas articuladas que encerram sua gênese e seu
funcionamento implícito. A origem desse fenômeno tange a compreensão de um princípio criativo que se afiança
no onírico, superando embates voltados para a subtração de material, substituindo-os por encontros mágicos com o
que está ali dado, como se aproveitasse o vácuo deixado pelo fato do ready-made ser, antes de mais nada, uma peça
de cerâmica que surgiu no mundo da arte inadvertidamente. Nos Phanógrafos, a equação experimental se apresenta
a partir do ficcional, estruturas que sempre comportam um segundo núcleo que irradia cor e materialidade furtiva,
pois o objeto central também não se mostra integralmente, e sua cota obscura se preenche pela ansiedade de se
conjugar delicadeza e brutalidade.
As ânforas de Rodrigo não contêm, não são recipiente, mas o conteúdo parcialmente embalado por um invólucro que
se distanciaria no tempo do artefato encontrado pelo arqueólogo. Ali, a máxima minimalista em torno de um cubo
anódino, de que “você vê o que você vê”, abre-se em um ciclo de perguntas e respostas bem menos tautológicas:
não vemos tudo, e as partes nunca se equivalem, depondo o equilíbrio formal, calçando-o na gravidade, no equilíbrio
real de um vaso sobre um balde, dentro de uma caixa ou sobre a mesa.
Produzidas e finalizadas em seu estúdio na Fábrica Bhering, no Rio de Janeiro, lugar onde doces eram industrializados,
longe de seus ancestrais chineses e gregos, as ânforas demonstram não apenas quebrar a redoma que instaura
a obra em uma temporalidade especial que se destaca da cotidiana, mas também eternizar o momento em que
esses dois tempos se encontram, quando desembalamos ou embalamos algo, quando encontramos algo que vem,
através de uma lição de Joseph Beuys, reforçar potencialidades metafísicas da matéria – títulos desmentidos por
legendas induzem a uma manipulação virtual que ocorre, então, junto à observação atenta das propriedades de
uma objectualidade que se instaura no provisório.
A argila primordial que amalgama o isopor, o papelão, a fita adesiva, resquícios de líquidos já vertidos ou a se verter,
incorpora o mimetismo que engloba a pintura, que de fato reveste as peças e o que parece ser o papelão areado
esculpido escrupulosamente para que pareça ser aquilo em definitivo. Como se estivesse mesmo em trânsito,
inviolada por alguém, acondicionada anonimamente por outro, cada uma delas se mostra em um pedestal neutro,
na galeria, que sustenta outro suporte: a escultura como plataforma para o pensamento a respeito da preciosidade
de sua incongruência e seu fascínio atual.
Rafael Vogt Maia Rosa
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