segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Politica \ Por Cesar Prevedello \ " Telespectadores "

TRANSAR COM O PADRASTO É NORMAL?
 

Será que duas novelas de uma mesma emissora, exibidas quase em sequência, podem ter público 100% diferente? Essa é a impressão ao analisar Babilônia e Verdades Secretas. É como se o folhetim das 21h fosse assistido por um grupo de pessoas, e a novela das 23h, por outra turma de telespectadores. Uma parcela expressiva do público de Babilônia reprovou o beijo na boca entre as discretas senhoras Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathália Timberg), e olha que nem foi um beijão, pareceu mais um selinho caprichado. Já a audiência de Verdades Secretas mostra-se bem mais liberal, não houve, até agora, nenhum protesto ruidoso pelo fato da jovem Arlete/Angel (Camila Queiroz) ter transado com o ex-amante e atual padrasto, Alex (Rodrigo Lombardi), na cozinha, enquanto a mãe dela (e mulher dele, obviamente), Carolina (Drica Moraes), estava no quarto, chateada com a frieza sexual do marido.
 
Beijo gay não pode, mas sexo entre pessoas da família pode? Ok, a modelo e o empresário não têm o mesmo sangue, e carregam uma ligação emocional e sexual há tempos. Porém, pelo código familiar, uma enteada não deveria ceder ao assédio do esposo da mãe, e vice-versa. Tá bom é ficção, mentirinha para entreter, mas acontece que o beijo entre as lésbicas octogenárias também foi apenas teledramaturgia, e, no entanto, poucas vezes se viu a Globo ser tão duramente atacada. Qual a explicação para dois comportamentos tão distintos do público?
 
Uma resposta seria que as relações heterossexuais são sempre aprovadas, não importa se há traição ou exposição de tabu, como o sexo entre padrasto e enteada, enquanto isso, a homoafetividade ainda requer uma dose generosa de preparo do telespectador para ser consentida. O beijo de Teresa e Estela, logo no primeiro capítulo, teria agredido tanto por que o público não conhecia a história de amor das personagens. A falta de familiaridade com esse laço afetivo fez com que o gesto de intimidade fosse visto apenas como uma afronta à “tradicional família brasileira”.
 
Ao passo que o beijo na boca entre Félix (Mateus Solano) e Nikko (Thiago Fragoso), no último capítulo de Amor à Vida, foi aceito justamente pela cumplicidade desenvolvida pelos dois personagens com boa parte dos telespectadores. O autor Walcyr Carrasco, o mesmo de Verdades Secretas, preparou o público ao longo de meses para testemunhar aquele beijo gay.
 
Resumo da ópera, toda ousadia tem potencial de ser aceita pelos noveleiros, desde que haja preliminares, pois quando pego no susto, o público reage mal.
 
César Prevedello

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