Dois profissionais em ascensão são as apostas do Festival de Teatro deste ano
O ator Eduardo Okamoto e o diretor Alexandre Del Farra são apontados pelos críticos como a nova geração de destaque do teatro brasileiro
Eduardo Okamoto |
Os nomes de Alexandre Dal Farra e Eduardo Okamoto têm aparecidos em praticamente todas as últimas premiações nacionais de teatro. O diretor e o ator trazem seus talentos ao Festival de Teatro de Curitiba, respectivamente, com os espetáculos “Abnegação II – o começo do fim” e “OE”, estreias da mostra oficial. “Acompanhamos o trabalho de Eduardo e Alexandre há muitos anos e temos certeza que trazem para Curitiba a vanguarda do teatro, contribuindo para uma formação de plateia qualificada, apreciadora deste movimento contemporâneo. Tê-los conosco é um privilégio para o festival e para o público”, ressalta Leandro Knopfholz, diretor do Festival.
Okamoto e Dal Farra respondem, a seguir, sobre as premiações, processos criativos, estilos de trabalho, a preparação para as estreias em Curitiba e as expectativas em relação ao público do Festival.
Vocês dois têm recebido diversos prêmios de reconhecimento. Como percebem estas qualificações?
Eduardo Okamoto - Os prêmio e distinções são formas de reconhecimento de um trabalho. Assim, claro, fico feliz com elas. O mais importante, porém, é que as minhas atenção e energia estejam concentradas no contexto da minha própria trajetória, que o trabalho de agora se destaque em relação ao anterior. Refiro-me não somente ao resultado dos espetáculos, mas também à qualidade de estudos e à coragem de seguir trabalhando e enfrentar os problemas cotidianos da criação. Espero estar incansável na busca de coisas novas a cada espetáculo, independentemente do reconhecimento na forma de premiação (o que, diga-se depende de variáveis muitas que estão muito além do meu trabalho). Gostaria de dizer também que não somente elogios me deixam felizes. Há momentos em que um crítico aponta problemas na leitura da obra que iluminam a minha própria criação. Neste sentido, não apenas são importantes as qualificações positivas, mas a manutenção de um diálogo com meus pares de ofício.
Alexandre Dal Farra - Recebo todo o reconhecimento que venho tendo ultimamente com uma alegria muito grande, no sentido de que o meu trabalho seja compreendido e apreciado. É também com certeza um incentivo para continuar trabalhando muito, o que eu faço com todo o prazer, porque o que me realiza realmente é trabalhar com a escrita, com o teatro. E tenho excelentes parcerias, como o Clayton Mariano, que dirige a peça que estrearemos em Curitiba comigo. Ele desenvolve um trabalho muito profundo de corpo com os atores e é um parceiro antigo de pensamento dramatúrgico e teatral. Com certeza, boa parceria é crucial para a criação.
Como é o processo criativo de vocês?
Alexandre Del Farra - Em linhas gerais, creio que o meu trabalho parte da escrita. Escrevo todos os dias, de manhã. Muito não é utilizado, mas de vez em quando surge um fio que eu sinto que vale a pena puxar mais, desenvolver, e assim vão surgindo os textos, tanto peças quanto literatura. No entanto, com o tempo fui aprendendo que eu não sou um autor de esboços. Não trabalho com revisões, rescrita, etc. Trabalho com desenvolvimento de linguagens. Normalmente a linguagem de um trabalho novo surge, em meio a tudo o que escrevo, e já aparece mais ou menos pronta. Eu preciso saber compreendê-la, e dar continuidade a ela. Não fico burilando os textos eternamente até alcançar a perfeição, mas sigo uns impulsos que não controlo, e que vêm de dentro de mim mesmo. O que escrevo de bom tem a ver com aspectos de mim que eu não controlo, e que se desenvolvem a partir da minha escrita.
Eduardo Okamoto - Cada processo de criação é uma tentativa de responder às urgências da vida: pessoais, sociais, políticas, míticas etc. E, sendo variável a vida, variam também os modos de responder às suas demandas. Assim, é difícil responder como generalidade àquilo que, na verdade, se apresenta como experiência singular, variando a cada experiência. Um espetáculo, costumo dizer, é um conjunto de possíveis: aquilo que se sintetiza a partir da reunião da equipe de trabalho, debruçando-se sobre um tema. Permito-me, aqui, um jogo: a única regra talvez seja a de não criar regras fixas, um “a priori”. Agora, evidentemente, nem tudo é acaso. Há também a experiência acumulada ao longo dos processos criativos e, de maneira geral, o espetáculo atual problematiza questões sobre a linguagem cênica e sobre o homem que ”empurram” o próximo processo criativo. Assim, pressionado pela experiência, acabo reunindo uma equipe de trabalho: atores, diretor, iluminador, figurinista etc. E procuro seduzi-los para a partilha de sonhos, imagens, perspectivas. Feito isso, o próprio jogo das diferentes vozes que tomam parte na obra se sintetizam na criação que se apresenta para o público, no palco.
E como esta experiência se aplica em OE?
Eduardo Okamoto - Em OE, criado a partir da obra do escritor japonês Kenzaburo Oe, o processo foi pressionado fundamentalmente por dois parâmetros: a literatura e uma particularidade – o fato de eu ser neto de japonese e, ainda assim, considerar que tive pouco ou nenhum contato com a cultura oriental. O primeiro aspecto levou a um intenso estudo da palavra e, sobretudo a partir da condução do Marcio Aurelio, encenador do espetáculo, do pensamento que a sustenta. O segundo aspecto, levou a um mergulho na cultura oriental, inclusive com a realização de um estágio no Kazuo Ohno Dance Studio, no Japão. Esta viagem que eu fiz para o outro lado do globo terrestre era análoga a uma que eu realizava para dentro de mim mesmo. Curiosamente, ao chegar ao Japão, eu sentia que estava matando a saudade de uma terra que eu nem conhecia. A este binômio corpo/palavra, o Marcio Aurelio sabiamente acrescentou um outro elemento: espaço. É no jogo desta tríade que, esperamos, se sustente a obra.
Alexandre, você reconhece em si mesmo um estilo de direção teatral?
Alexandre Dal Farra - Eu sou um diretor de textos meus. Me considero antes de tudo um escritor e um dramaturgo. A minha escrita me dita a direção, o estilo de direção que eu sigo. Portanto, posso dizer que é uma direção calcada no texto. Mas também considero os meus textos teatrais bastante pensados, já na sua escrita, para gerarem situação, para serem ditos, para gerarem cena. São textos que levam também em conta o jogo teatral (diferentemente do que ocorre na minha escrita literária, como no meu romance, o Manual da Destruição). Então, se eu dirijo a partir dos textos que escrevo, também é verdade que os escrevo com algum olhar de diretor, em algum nível. Além disso, considero que a minha parceria com os atores é crucial para o trabalho, no sentido de que se crie um canal de diálogo - já que não sou ator.
Além de escrever e dirigir espetáculos, que outros espaços ocupa no teatro, Alexandre?
Alexandre Dal Farra - O meu trabalho artístico se funda mesmo fundamentalmente na escrita, no entanto, além de dirigir as peças de minha autoria, também já trabalhei como diretor musical. A minha formação originalmente é musical, sou formado em composição e regência... Isso não foi para frente no sentido estrito da minha atividade enquanto músico, mas creio que é um aspecto relevante, que constitui (em um certo sentido) a maneira como escrevo. Gosto muito, ainda, de escolher as músicas das peças que dirijo - acho que a faculdade me permitiu um mal-gosto incomensurável nessa área, de que gosto muito.
Eduardo, há uma preferência sua de atuar em solos?
Eduardo Okamoto - Não. Sou absolutamente apaixonado pelo teatro e gosto de experiênciá-lo nas suas mais diversas formas. Já trabalhei em espetáculos solos, mas também em obras em que contracenei com outro único ator e em outras com muitos atores. Assim, não há preferência por solos. Por outro lado, há de se admitir que sou um ator que estuda muito e pouco a pouco alguns de meus estudos começam a resultar na criação de pequenas cenas, esboços. Ou seja, às vezes, o processo de estudo começa a revelar a possibilidade (ou necessidade) de se criar um espetáculo. Foi assim com os três solos em que atuo. Antes de serem projetos de espetáculos eram tão somente projetos de estudo. Os espetáculos são consequências do desejo de seguir estudando.
Além de atuar, você também dirige espetáculos. Como faz esta diferenciação artística?
Eduardo Okamoto - Tenho a absoluta convicção de que sou ator e não diretor de teatro. É verdade que já ocupei a função de direção. Isso, porém, não faz de mim um diretor. Dirigi sempre em contexto muito específicos, quase sempre ligados à minha atuação como professor. Ou seja, quando dirigi estava mais me ocupando de ser pedagogo que diretor. Sou irremediavelmente arrebatado pela paixão de atuar. Isso faz com que todo o projeto que eu almeje me envolva na atuação e não em outra coisa.
Quais as suas relações com a cena teatral em Curitiba?
Eduardo Okamoto – Estive no Festival de Teatro de Curitiba com dois espetáculos: em 2004, “Mr. K e os artistas da fome”, da Boa Companhia, dirigido por Verônica Fabrini; em 2013, “Recusa”, da Cia Teatro Balagan, dirigido por Maria Thais. As duas experiências revelam a mim mesmo um inegável processo de amadurecimento. Parece-me que esta é uma das funções primordiais de um evento que se mantém ao longo do tempo: o registro de trajetórias, de processos de crescimentos. Isso significa que, ao longo dos anos, o festival não se resume ao tempo de duração do evento, mas se estende como o registro da cultura teatral do país (de um recorte dela, ao menos, dada pela linha curatorial). Vale menção também o fato de que a presença de curadores e jornalistas do Brasil todo me dá a impressão de um diálogo com muito mais pessoas do que aquelas que estão nas poltronas dos teatros, em Curitiba. As sessões em Curitiba ecoam.
Alexandre Dal Farra – Estive em Curitiba muitas e muitas vezes. O meu filho mais velho, o João Francisco, morou na capital paranaense dos dois aos nove anos, foi a São Paulo dos dez aos 11, e agora retornou a Curitiba novamente. Então, visitei-o inúmeras vezes na cidade, além de ter ido muitas e muitas vezes buscá-lo. Sempre me chamou a atenção a organização aparentemente impressionante que Curitiba tem, e a sensação, bastante clara para mim, que sou paulistano a vida inteira, de que é uma cidade espaçada, com espaços abertos, que mantém as distâncias conservadas - entre as casas e entre as pessoas. Estive também no Festival de Curitiba, na Mostra Oficial, em 2002, onde ocorreu a estreia oficial do grupo de que faço parte até hoje, o Tablado de Arruar. Na época eu era muito jovem e não tinha nenhuma clareza do que iria fazer da vida, mas estava muito empolgado em fazer a direção musical dessa trupe com atores incríveis (a maioria deles ainda está no grupo), e foi uma experiência muito intensa ter participado do festival naquele momento.
OE teve pré-estreia em cidades no Estado de São Paulo. Como foi a receptividade?
Eduardo Okamoto - Sim, o trabalho teve ensaios abertos e pré-estreias em Campinas, São Paulo e Americana. Estas aberturas ajudaram a que conscientizássemos o nosso próprio processo de criação. O olhar do espectador nos “ensina” que espetáculos estamos fazendo. Ainda que seja difícil tecer generalizações deste tipo, pois cada espectador é único e com a sua experiência lê um espetáculo diverso, posso dizer que o público esteve atento a cada palavra (digo sem nenhum medo de elogiar que o texto que o Cássio Pires escreveu a partir da leitura de Kenzaburo Oe, uma espécie de “poesia para a cena”, é realmente bonito!). De algum modo, ficou claro que o Japão é tão longe mas, de alguma maneira, fomos capaz de reinventá-lo em nós. O Japão é do outro lado do mundo, mas, parafraseando Guimarães Rosa, digo também que o Japão “é dentro da gente”.
Abnegação II teve ensaios abertos e leituras de texto em São Paulo. Como foram estas experiências?
Alexandre Dal Farra - Para mim a receptividade foi totalmente inesperada, e mesmo chocante. A reação do público, inclusive nas leituras abertas, foi realmente impressionante, uma coisa que eu não esperava em termos de afetação que a peça causou, mesmo no caso das leituras, com os textos na mão e tudo. Ficou para mim sensação de que a peça causa sensações fortes na plateia, traz à tona incômodos, movimenta as pessoas de maneira bastante forte. A maioria do público ficava mais ou menos atônito no final, e não sabia muito bem o que dizer sobre a peça, o que para mim era uma felicidade, já que acredito muito no potencial provocador do teatro, de gerar movimento a partir do embate, do choque, do contato com o irracional, com o incompreensível.
Que expectativas têm em relação ao público curitibano?
Alexandre Del Farra - Me agrada muito a ideia de estrear no Festival de Curitiba, é realmente uma alegria. Gostaria que, para um público acostumado a ter contato com diversos tipos de teatro, como é o público do festival, a peça possa mobilizar incômodos, medos e terrores que todos nós temos, mas que nem sempre vêm à tona. Espero que a peça possa provocar o público a entrar em contato com esse tipo de sentimento, que costumamos esconder de nós mesmos.
Eduardo Okamoto - A manutenção do festival ao longo dos anos certamente contribui para a formação de artistas e também do público. Por isso, espero encontrar em Curitiba um público talentoso, que ajuda a construir a obra que, a partir da sua experiência de fruição, ajuda a conferir significado para a experiência do palco. Se conseguirmos esse nível de cumplicidade palco/plateia, creio que teremos sessões especiais.
O 24º. Festival de Teatro de Curitiba é apresentado pelo Banco Itaú e Tradener e tem patrocínio da Renault do Brasil, Petrobras, Copel, Fundação Cultural de Curitiba/Prefeitura de Curitiba e UEG Araucária, além do apoio da Itaipu Binacional.
A venda dos ingressos está disponível pela internet (www.festivaldecuritiba.com.br) e nas bilheterias oficiais do evento, instaladas no ParkShoppingBarigüi, Shopping Mueller e Palladium Shopping Center. Os ingressos para os espetáculos da Mostra custam R$ 70,00 e R$ 60,00 (inteira) e R$ 35,00 e R$ 30,00 (meia-entrada). Os valores maiores são para os espetáculos em cartaz nos teatros Guaíra, Guairinha, Positivo e Bom Jesus, que têm custos de bilhetagem superiores aos demais.
SERVIÇO:
Abnegação II – O COMEÇO DO FIM
Dias 3 e 4 de abril
Teatro Guairinha
OE
Dias 30 e 31 de março
Teatro Sesc da Esquina
SOBRE O FESTIVAL DE TEATRO
Criado em 1992, o Festival de Teatro é o maior evento teatral do Brasil. Idealizado pelos jovens Leandro Knopfholz, seu atual Diretor Geral, e Carlos Eduardo Bittencourt, o Festival sempre atraiu a atenção dos principais nomes da dramaturgia nacional.
Sua primeira edição, organizada com a ajuda de Cássio Chamecki e Victor Aronis, reuniu 14 espetáculos e contou com as participações de José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, Gerald Thomas, Cacá Rosset e Gabriel Vilela.
Para marcar a criação do Festival, a Prefeitura Municipal de Curitiba construiu no tempo recorde de 30 dias o Teatro Ópera de Arame, projetado pelo arquiteto Domingos Bongestabs, que se transformou num dos principais cartões postais da capital paranaense. A Ópera de Arame foi inaugurada com o espetáculo “Sonhos de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, numa montagem inédita do Grupo Ornitorrinco.
Desde a sua criação, o Festival já reuniu mais de sete mil espetáculos, sendo 600 na Mostra Oficial, 6.200 no Fringe e 350 nos Eventos Paralelos (Guritiba, Mish Mash e Risorama). Isso já garantiu ao Festival uma plateia geral de mais de 4,8 milhões de pessoas de todo o Brasil. Todos os anos, o Festival é realizado graças à participação de 1.500 profissionaisentre diretores, atores, iluminadores, figurinistas, maquiadores, técnicos, montadores, bilheteiros, divulgadores, administradores e organizadores.
A Mostra possui curadoria especial e sempre reúne estreias nacionais, grandes espetáculos internacionais e as principais produções do teatro brasileiro. O Fringe reúne várias Mostras Especiais, sem curadoria, e abre espaço para centenas de produções de todo o Brasil. Por isso, o Fringe tornou-se na vitrine mais democrática do teatro brasileiro, fora da agenda comercial do eixo Rio-São Paulo.
O Fringe faz parte do Festival de Teatro desde a sua sétima edição, em 1998. Ele se inspira na experiência que surgiu espontaneamente, em 1947, no Festival Internacional de Edimburgo, mais importante evento de artes cênicas do mundo. Sua denominação significa, em inglês, “franja” ou “margem” e traduz sua essência aberta e democrática. As companhias teatrais que formam a programação do Fringe participam do evento por iniciativa própria. Por isso, sua programação sempre reserva grandes surpresas e muitas produções originais.
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